Carcarah inaugura a exposição ‘CIDADE MORTA’




Série inédita de 30 desenhos, fruto das peregrinações noturnas do artista, retrata uma São Paulo essencialmente noturna e abandonada

 
“Paim” (2013) 42 x 30 cm

Nanquin, ecoline, canetas pretas, marcadores

“Invadido da Martins Fontes” (2013) 22 x 32 cm

Nanquin, ecoline, canetas pretas, esferográfica

Depois de Noturnos (2008), Barafunda (2011) e Outra Manhã Imunda Nos Aguarda (2014), Cidade Morta apresenta mais uma série de desenhos inéditos de Carcarah que tem São Paulo e seus habitantes como mote.

Na exposição, que abre no dia 17 de março e permanece em cartaz até 17 de abril no Cemitério de Automóveis (sede da companhia teatral que comanda ao lado do dramaturgo Mario Bortolotto), Carcarah apresenta 30 desenhos em nanquin, ecoline, spray, canetas pretas, marcadores e técnicas de aguada, em dimensões que variam de 22 x 30 cm até 30 X 60cm de uma cidade registrada durante a noite no ano de 2013 e que, como o próprio artista diz, lugares que talvez nem existam mais, sempre intensificados pela particular explosão dramática de suas formas e cores. Na Cidade Morta de Carcarah estão esquinas, cantos e edificações emblemáticas dos bairros antigos mais habitados durante o dia e que ao cair da noite se transformam em lugares ermos e mal iluminados como a Barra Funda, o Parque Dom Pedro II, a Bela Vista, habitados por figuras errantes, gatos e cachorros sem dono.

“Aqui em São Paulo, onde moro há 17 anos, tudo me parece mais antigo e sórdido, carregado de histórias ancestrais e um abandono ofensivo. A Vila Itororó, o Castelinho da Rua Apa, o Auto Posto Alferes parecem cenários de histórias clássicas infantis, de desenhos animados da Disney, só que eles existem e podem se desmanchar como areia que escorre numa ampulheta a qualquer momento”, diz Carcarah.

O Impressionismo Gonzo de Carcarah

Claro, há a cidade de São Paulo. Antes, no entanto (e, portanto, dentro dela), há toda e qualquer cidade: este assombroso modo – dos sumérios a Ítalo Calvino – de hiper agrupamento de formas e solidões, imponências e misérias, onde a experiência humana mais se aniquila – e também, possivelmente (e cá entre nós), mais se aprimora. Mas não se enganem: esta é a cidade particular de Carcarah.

E a cidade de Carcarah é essencialmente noturna – um dos poucos vestígios de azul diurno está em seu brilhante enquadramento da “Vila Itororó”, este lugar por si só inacreditável, espécie de bocada surreal que fica no bairro da Bela Vista. Não por acaso, o primeiro nome que ocorreu ao artista para batizar a exposição foi Viagem ao fim da Noite – título da famosa pedrada em forma de romance de Louis-Ferdinand Céline. (A cidade discotecada em telas de Carcarah – “Transação na Camaragibe”, “Down Barrafunda”, “Varanda Pereio”, “Kilt”, “Padoca na Penha” – sendo fruto, então, de uma viagem estético-geográfico-existencial; e Carcarah como um misto maluco e único de Marco Pólo roto e impressionista gonzo.)

Por exemplo. A “Kilt”, aqui, não foi demolida. Mais do que isso: a lendária boate paulistana em forma de castelo foi devidamente tombada pelo patrimônio poético desta exposição, virando uma tela antológica. (Este escriba aproveita para dizer que demolir a Kilt equivaleu a, sei lá, demolirem o Museu do Ipiranga.)

Outra coisa. Seus quadros às vezes me dão a impressão de que, em vez de pintados, tivessem sido filmados com rolos vencidos de super oito. Falo dos pequenos hematomas, dos pingentes de sangue, dos esguichos saturados de luz pincelados nas bordas e no “entorno” das cenas – céus, paredes, postes, faróis. O realismo espantoso com que Carcarah capta e recria seus flagrantes urbanos segue ali, claro. Mas essa gama, digamos, “irreal” de texturas (penso agora em uma daquelas melodias bonitas emolduradas por camadas de microfonias a la Psychocandy, do “The Jesus and Mary Chain”) está sempre ali também, pairando, de butuca, como se a qualquer momento – feito um carro que não conseguisse desviar do cachorro atropelado – pudesse chover na verossimilhança das coisas.

Talvez, por isso, a sensação térmica por aqui seja sempre de melancolia. Mas não qualquer melancolia. Falo daquela, sem remetente e indefinível – pero inexorável –, que nos primórdios do blues era conhecida como banzo e que – em outra chave – foi considerada por Edgar Allan Poe como o “mais legítimo dos tons poéticos”. Apenas para dizer o que eu poderia dizer desde o início deste texto: que, ao primeiro impacto, e antes de qualquer outra coisa, a cidade particular de Carcarah – feita a um só tempo de desencanto e encantamento – é de uma beleza exuberante. E primeiras impressões – vocês sabem – costumam tocar num ponto aonde a posterior formulação de um pensamento dificilmente chega.

Marcelo Montenegro

Carcarah já fez capas de livros do dramaturgo Mário Bortolotto, como “Atire no Dramaturgo” e “Mamãe Não Voltou do Supermercado”, ilustrou “Musa Chapada”, livro de Ademir Assunção e Antonio Vicente Pietroforte, pela Editora Demônio Negro. Suas ilustrações já foram publicadas pelas revistas Rolling Stone, UM- Universo Masculino, Coyote; e pelo jornal Folha de S. Paulo. Desenhou diversas capas de CDs e cartazes de peças teatrais, entre elas “Hotel Lancaster”, de Bortolotto e Delicadeza, de João Fábio Cabral e assinou cenografia e programação visual das peças “O Predador Entra na Sala” e Lá fora, um Pássaro Dá Bom Dia, dirigidas por Marcelo Rubens Paiva. Em 2008 fez sua primeira exposição individual “Noturnos”, em São Paulo, e participou de várias mostras coletivas em São Paulo, Salvador e Portugal. Carcarah também é ator do grupo teatral Cemitério de Automóveis e está em cartaz em duas peças, Killer Joe e O Canal.

Nasceu em Brasília há 33 anos e mora em São Paulo desde 1998.

Seus verdadeiros mestres, além de sua avó materna que o incentivara a desenhar, foram John Buscema e Alfredo Alcala, desenhistas das antigas revistas A Espada Selvagem de Conan; Ralph Steadman e Gustave Doré. Ivo Milazzo, Andrea Pazienza, Tanino Liberatore e Robert Crumb foram essenciais na busca por novas técnicas e materiais. Artistas como Van Gogh, Joe Coleman, Toulouse Lautrec, Edward Hopper são inspirações eternas.

Serviço:

Exposição – Cidade Morta, do desenhista Carcarah

Abertura: Dia 17 de março, quinta-feira, às 19h

Visitação: Terça a domingo das 19h às 23h

Em cartaz até 17 de abril

Local: Teatro & Bar Cemitério de Automóveis

Rua Frei Caneca, 384 – Consolação. São Paulo – SP

Tel: (11) 2371-5743

Grátis