Lava Jato no olho dos outros é refresco




Por colaborador Lucas Damasio

Dia desses, pego uma corrida longa de táxi para o aeroporto de Curitiba. O taxista, desses bem-intencionados e todo simpático, puxava conversa o tempo todo perguntando minha opinião sobre assuntos que iam desde a tabela de classificação do Campeonato Brasileiro até a fome no continente africano.

Foto: Reprodução / Google
– Mas a política no Brasil que está feia né? – Disse a certa altura, interrompendo no meio uma frase minha sobre o coringão.

– Está. Está feia pra caramba. Estamos no meio de uma crise…

– Esses políticos não prestam mesmo. Só querem saber de se aproveitar do povo. Ainda bem que inventaram essa Lava Jato.

– Inventaram?

– É. esse Moro! Sabe, ele vai salvar o país. Você não acha?

– Acho que é um pouco mais complicado… Viu, aqui não é contramão?

– Só um pedacinho. Mas o Moro? Sabe, parece ser sério esse Juiz.

– Também acho. Ele atua dentro das regras e… Não estava fechado o sinal ali?

– Fechou, mas eu já estava embalado. Não dá nada não. Mas então, eu quero ver todos esses políticos presos, cara. Vai ser lindo, esse pessoal que não respeita nada.

– É, É. Viu, aqui nessa avenida não é só 60 km?

– Relaxa eu sempre ando a 100 por aqui e nunca deu nada. Se ele se candidatasse a presidente eu votava nele. Ia endireitar o país. Você votaria também?

– Não sei, ele é um bom juiz. Mas para ser presidente precisa…

– Merda, olha a fila que tá aqui! Esses motoristas são muito lerdos. Vou cortar por fora.

– Mas você vai entrar na contramão e atravessar quem já estava na fila, não vai?

– Da nada não, no trânsito tem que ser esperto. Mas então, o Moro. É Sérgio o primeiro nome dele, não é? Quero ver ele prender todo mundo. O Lula, a Dilma, o Temer, o Aécio… Tem que fechar todo mundo. Quebrou a lei, tem que ir preso.

– As regras são para todos, não é?

– Sim. Tem que seguir as regras. Se existe regra, tem que ser obedecida, porra. Lei é lei. O povo tem que parar de sofrer.

– Entendo. Olha, aqui é a faixa de pedestres. Vixe, você parou em cima!

– Da nada não, aqui não é lugar de colocarem acesso pra pedestre. Só atrapalha o trânsito esse sinal aqui.

-Hum.

Fizemos o resto do trajeto em silêncio, pois aparentemente o motorista engatou uma conversa animada com outra pessoa, por mensagem via Whatsapp.

– Qual a companhia, doutor? – Perguntou chegando diante das portas de acesso ao saguão do aeroporto.

– Não sou doutor não. É aquela que tem nome de cor.

– Ah, beleza! Olha, não tem onde parar. Vou ficar em fila dupla aqui mesmo, não dá nada não.

– Não vai atrapalhar o trânsito?

– Os outros que esperem!
Pago o homem pela corrida e vou para a parte traseira do carro pegar minha bagagem. Em segurança na calçada, vejo o táxi se afastar, ostentando no para-choque um adesivo com os dizeres “Lava Jato. Eu apoio”.

Crônica: A metamorfose




Da série “só tem louco me ligando”

Por colaborador Lucas Damásio

Reprodução / Internet
Em uma manhã de sábado qualquer, eu estava trabalhando em uma ideia empolgante, quando o celular tocou. Nunca olho no identificador, acho mais interessante, em tempos de WhatsApp, saber quem está falando depois do primeiro “alô”.

– Senhor Lucas? – disse a voz de uma mulher quase que gritada na minha orelha.

– É o telefone dele! – (eu sei que às vezes eu também não facilito).

– Estou ligando para falar do texto que o senhor encaminhou para a publicação XYZ.

– Legal! Você leu?

– Eu não, mas eu gostaria de lhe pedir algumas mudanças no terceiro e no quinto parágrafo.

– Mas você não leu?

– Não li.

Silêncio.

– E qual é a alteração que eu tenho que fazer?
– O terceiro e o quinto parágrafo.

– Claro. Sim! Mas qual é a alteração? É uma palavra específica, uma frase, o que incomodou no texto?

– Então senhor Lucas, a alteração tem que ser feita nessas partes que eu estou lhe passando. Preciso para hoje à tarde, ok?

– Mas moça, eu preciso que você me diga o que alterar.

– Não é evidente? Os trechos não agradaram.

– Mas você leu?

– Não. Eu não leio os textos da publicação.

– Ok, então é só eu alterar e reencaminhar o texto?

– Isso. Tem que ser pra hoje, até o final da tarde.

O relógio digital sob minha mesa de trabalho marcava 10h05. Fechei a ideia empolgante e me coloquei a trabalhar nos parágrafo que mereciam o ajuste. 

“Mas ela nem leu, cacete!”.

Revi cada palavra. Mudei o conceito dos assuntos abordados em cada uma das passagens. Cortei advérbios, encurtei frases, simplifiquei a linguagem e mudei mais uma coisinha aqui e outra ali. Perto do meio dia, mandei o texto com as alterações pedidas para o e-mail indicado.

Por volta das três, o telefone toca novamente.

– Senhor Lucas?

– É o telefone dele!

– Aqui e o Antunes. Estou ligando para falar do seu texto enviado para a publicação XYZ.
– Ah sim, recebeu as alterações que eu mandei?

– Sim, recebemos. Mas eu estou te ligando para falar sobre o parágrafo inicial. Precisa alterar.

– Mas eu já alterei o terceiro e o quinto parágrafo como me pediram.

– Ok senhor, mas eu estou falando do primeiro. Precisa mudar.

– Você leu o texto?

– Li o primeiro parágrafo até agora. É ele que eu preciso que o senhor altere.

– E qual e a mudança que você quer?

– Não sei. Eu não gostei. Mude para algo que seja mais agradável, por favor.

– Mas isso é muito relativo. Me dê uma indicação mais precisa do que deve ser alterado.

– O primeiro paragrafo tem que mudar. Eu preciso dele alterado até o final da tarde de hoje, ok?

– Tá bom, mas só que… Alô? Alô?

Perto das quatro horas, começo a reescrever. Mudo a introdução inteira do texto e mando para o e-mail indicado. Às cinco horas, eu atendo o telefone pela terceira vez.

– Senhor Lucas?

– É o telefone dele.

– Aqui é o Flávio da publicação XYZ. Estou entrando em contato para falar do seu texto. O parágrafo quatro e a conclusão não estão de acordo, esteticamente e em estilo de linguagem, com  restante do texto. O senhor poderia verificar?

– Amigo, eu alterei o texto duas vezes já a pedido de vocês. Você chegou a ler?

– Ah não, eu não li senhor, eu só sigo ordens.

– Ok, mas por que vocês não passam todas as alterações de uma só vez?

– Senhor, eu estou lhe passando agora. Precisa ser refeito os dois parágrafos que citei.

– A estética e o estilo?

– Sim, exatamente! E eu preciso do texto ajustado até às seis horas?

– Meu Deus do Céu, cara! Tem menos de uma hora, me dá mais prazo!

Suspiro alto do outro lado da linha.

– Posso aguardar até as sete. Ajuda?

– Acho que sim. Vou trabalhar nas alterações imediatamente.

Faltando dez minutos para o final do prazo, anexo o texto ao e-mail e clico em enviar.

“Acho que agora fechou”.

Exatamente às sete horas, o telefone toca.

– Senhor Lucas?
– Fala!

– Aqui e o Antônio, da publicação XYZ. Estou ligando para falar do seu texto. Infelizmente ele não se adequa a nossa proposta e por conta do prazo já avançado, teremos de descartá-lo.

– Como assim, você ficou maluco? Eu fiz todas as adequações que vocês pediram.

– Sim, mas o tema do seu material está errado. Você escreveu um texto sobre o a cultura contemporânea e suas implicações sociais, e nós queríamos um texto sobre as fases da Lua e sua influência sobre a civilização egípcia.

– Mas como assim? O pedido para a publicação, que vocês criaram e me enviaram especificava que o tema era a cultura contemporânea e suas implicações sociais. Vocês não podem mudar assim, sem avisar.

– Senhor, nós avisamos três vezes que precisava mudar. Você não se adequou, não cumpriu o prazo estabelecido. Desculpe, mas não tem do que reclamar!

– Mas vocês nunca disseram… Nunca avisara… Vocês nem sabiam o que deveria ser mudado!

– Senhor, desculpe, mas não há nada a ser feito. Da próxima vez tente cumprir o prazo estabelecido e com o tema adequado, ou então passe o texto para outro escritor fazê-lo. Talvez saia mais dentro do que precisamos.

A linha muda no final do dia, eu juro, gargalhava na minha cara.

*o nome da publicação, obviamente, foi alterado para evitar qualquer problema.