Entrevista O Cego e O Louco


Créditos: Divulgação


O Teatro Sérgio Cardoso, equipamento da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo e gerido pela Amigos da Arte, recebe o espetáculo O Cego e o Louco, protagonizado por Alexandre Lino (Nestor) e Daniel Dias da Silva (Lázaro), a até o dia 26 de fevereiro de 2023. A temporada acontece de sexta a domingo, 19h.

No espetáculo, Nestor (Alexandre Lino) é um pintor cego, de personalidade forte, que, apesar da deficiência visual, domina o frágil e taciturno Lázaro (Daniel Dias da Silva), alguns anos mais jovem, com quem divide a solitária rotina em um apartamento decadente. Entre os dois se estabelece uma dinâmica própria, eventualmente perversa, em que o cuidado fraterno cede lugar ao rancor desenfreado, mas também com momentos e situações inusitadas e divertidas. Até que a chegada de Lúcia, uma encantadora vizinha que se mudou recentemente para o prédio, ameaça desestruturar essa relação. Eles a convidam para uma visita e é nessa noite de espera que a montagem se concentra, quando os traumas do passado dos irmãos vêm à tona, embalados por delírios, sonhos e culpas, levando a um final surpreendente. Entrevistamos o elenco da peça, confira!

Acesso Cultural: Daniel, a peça estreou em 2019 no Rio e fez uma carreira já viajando para algumas cidades. Como está sendo a recepção do público de São Paulo e quais as diferenças que você vê para os de outros lugares?

Daniel Dias: A riqueza dos diálogos e o carisma dos personagens criados por Cláudia Barral tem uma identificação imediata com o público, que ri e se emociona com a história desses dois irmãos. Tem sido assim em todos os lugares por onde passamos e em São Paulo não tem sido diferente. A receptividade tem sido incrível, emocionante mesmo!! O que me parece é que o público paulistano tem um olhar mais atento para a encenação, eles se interessam muito em saber mais sobre a montagem do espetáculo, a construção dos personagens, a trilha sonora e essa troca tem sido muito especial.

AC: Daniel, você além de ator é produtor do espetáculo. Como surgiu o desejo de montar o espetáculo O Cego e o Louco?

DD: Conheci Cláudia Barral no início dos anos 2000, aqui em São Paulo e me identifiquei imediatamente com ela, com a sua trajetória. Ambos nordestinos (ela, baiana e eu, cearense), já iniciados na dramaturgia e com muita sede de aprender e trocar. Na época, ela me mostrou o texto de “O Cego e o Louco”, que tinha sido montado e premiado em Salvador. Desde então, a história dos irmãos Nestor e Lázaro ficou na minha cabeça, sonhava dirigir a peça. Vinte anos depois, já à frente da Lunática Companhia de Teatro, voltei ao texto e decidi convidar o Alexandre Lino para dividir a cena comigo e o Gustavo Wabner para assinar a direção. Já havíamos trabalhado juntos anteriormente e queria uma equipe com esse espírito de grupo. E, assim, nasceu a peça!! E quatro anos depois, realizamos mais um sonho: trazer a peça para o público paulista!! Estamos muito felizes!!

AC: Alexandre, você faz o na peça o personagem, Nestor, que é cego. Como foi a sua preparação? Você teve contato com alguém que te ajudou na composição?

Alexandre Lino: Eu tenho uma forte ligação com a cegueira. Meu tio Emídio, já falecido, era cego desde os 18 anos de idade. Foi um dos parentes com quem tive maior proximidade e identificação na minha infância e adolescência. Ele misturava sabedoria e revolta de uma maneira singular e isso sempre me fascinou. Essa é a terceira vez que me relaciono com o universo da cegueira. A primeira foi em Asilo Paraíso (2004), depois em Volúpia da Cegueira (2016) e por fim em O Cego e Louco (2019). Em todos os casos a memória do meu tio sempre foi fundamental para composição das minhas personagens, mas a orientação e suporte do Instituto Benjamin Constant, a mais importante instituição de ensino para deficientes visuais da américa latina, é essencial para quem busca ter uma relação mais honesta numa busca como essa.

AC: Alexandre, o texto tem 16 páginas, mas é muito rico em detalhes desde o cenário até a construção da relação dos personagens. Quais foram as suas referências para criar a relação dos irmãos Nestor e Lázaro?

AL: O texto é repleto de subjetividades, metáforas e silêncios e é onde precisamos mergulhar mais profundamente para encontrar o cerne dessa relação. Eu e o Daniel Dias da Silva, somos amigos há muitos anos, e nossa relação de cumplicidade na vida e nas artes já nos dava um material precioso para esse diálogo. Somos muito diferentes, assim como Nestor e Lázaro, e isso também foi um fator muito positivo. Isso já é um material muito preciso a ser observado e o nosso diretor Gustavo Wabner entendeu isso muito bem e explorou o melhor desse encontro. No mais, é olhar para si e o que vivemos ontem e hoje para buscar projeções na vida ou nas artes.

AC: Gustavo, como surgiu o convite para dirigir o espetáculo e o que te encantou na obra?

Gustavo Wabner: O convite veio através do Daniel Dias da Silva, com quem eu já havia trabalhado anteriormente no espetáculo “O Princípio de Arquimedes”, porém nesta primeira montagem eu fazia como ator e direção era do Daniel. Em “O Cego e o Louco ” as funções se inverteram. Ao ler o texto fiquei impactado com a obra e com as possibilidades de encenação que logo de cara se apresentaram. Apesar de ser um texto muito conciso, ele é potente, denso, poético e repleto de um humor muito ácido.

AC: Gustavo, como foi que você definiu quem faria cada personagem e o processo nos ensaios?

GW: Eu já conhecia e já havia trabalhado com os dois atores. Inicialmente Daniel Dias da Silva me apresentou o projeto com a escolha dos personagens já definida, mas ao ler o texto eu intui que deveríamos experimentar inverter os papéis. Foi o que fizemos e deu certo. Acredito que esta escolha foi mais adequada para os atores, pois ambos emprestaram aos seus personagens características pessoais que serviram para a composição dos mesmos. O processo de ensaios foi muito fluido, harmônico e respeitoso. Eu, Daniel e Lino somos atores que dirigem, ou diretores que atuam, digamos. Isso talvez tenha facilitado muito o processo.