Evento acontece anualmente desde 2005 e traz à cidade 24h de arte e cultura
A 9° edição da Virada Cultural aconteceu no último final de semana, entre os dias 18 e 19, e contou com mais de 4 milhões de pessoas, segundo a Prefeitura Municipal, que organiza o evento todos os anos. Neste ano, mais de 800 atrações nacionais e internacionais foram vistas pelo imenso público que tomou as ruas do Centro. Apesar dos shows musicais ganharem mais notoriedade pela mídia, a Virada também dá espaço para a dança, as artes cênicas e visuais, entre outras expressões artísticas, o que não foi diferente neste ano.

“Vanguart acorda o público na 25 de março” / Foto: Leandro Fonseca
Os famosos (e os nem tão famosos assim)
Somente para citar alguns dos muitos artistas de fora que se apresentaram na Virada deste ano, a lista de atrações gringas teve George Clinton, Lonnie Liston Smith e a banda americana The Fringe. Em edições anteriores o evento trouxe ao Brasil nomes da música internacional como Charles Bradley e as bandas de rock Suicidal Tendencies e Misfits.
Além de outros renomados músicos, a edição de 2013 recebeu Gal Costa, Jorge Mautner, Gaby Amarantos e Daniela Mercury. Rita Lee, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor, Jair Rodrigues e Zé Ramalho são apenas alguns dos muitos artistas da música brasileira que passaram pelas Viradas Culturais anteriores.
Mas o evento não é feito somente de nomes célebres. O espaço para artistas independentes e/ou pouco conhecidos existe. Bandas como Porcas Borboletas, de Minas Gerais, e Apanhador Só, do Rio Grande do Sul, tocaram nesta nona edição.
Cultura Centralizada?
A Virada Cultural de 2013 não contou com os CEUs (Centro Educacional Unificado), que serviram de espaço para edições anteriores. Muitos existem em regiões periféricas de São Paulo, fazendo o público que mora nessas regiões se locomover e demorar mais tempo para ir/voltar das atrações, ao invés de ter acesso a elas perto de casa. Isso tornou o evento mais centralizado, literalmente. Só não foi pior por causa de algumas unidades do SESC, que se localizam fora das regiões centrais da cidade. Foi o caso dos bairros Santana e Parque Colonial, com os SESCs Santana e Interlagos, respectivamente.
Entretanto, mesmo com a centralização geográfica das expressões culturais e artísticas, a Virada Cultural não deixou à margem, nem mesmo em edições passadas, as muitas culturas e artes de São Paulo e do Brasil; manifestações, estas, que, por vezes, são esquecidas ou renegadas pela sociedade. Por exemplo, a Santa Efigênia foi palco da poesia e da literatura no Sarau da Cooperifa, encabeçada pelo poeta Sérgio Vaz, e o Sarau Suburbano Convicto, de Alexandre Buzo. Com concentração no Vale do Anhangabaú, blocos de culturas regionais – como maracatu, afoxé e congada – caminharam sentido Minhocão, o famigerado Elevado Costa e Silva. Além disso, o palco Alfredo Issa serviu de pista para centenas de pessoas dançarem ao som de funk.
Em colaboração para o Acesso Cultural, o repórter Leandro Fonseca conta, do baile funk ao show do rapper Criolo, o que viu durante a Virada Cultural de 2013 e garante: “Não assisti apenas arrastões”.
PALCO ALFREDO ISSA (18h00)
Daniela Mercury entrava no Palco Júlio Prestes quando DJ Wesley colocava para tocar as primeiras batidas de funk. Uma viatura da Polícia Militar estava estacionada a uns 200 metros do Palco Alfredo Issa, enfeitado com um globo de cristal. A pista vazia era reflexo não apenas do horário, mas também da timidez que ainda dominava os presentes. Não havia dúvidas de que o Palco Alfredo Issa não teria espaço suficiente para os muitos funkeiros que ali passariam a madrugada em claro.
Até umas 19h30 o espaço ainda era propício para uma família ou outra que parava no local para tentar alguns passinhos. Mães e pais, agarrados à seus filhos pequenos, dançavam como se não houvesse nada para se preocupar. E não havia mesmo. Entretanto, as notícias divulgadas após a Virada Cultural não foram nada tranquilizadoras: muitas vítimas de furtos e arrastões em torno do Palco Alfredo Issa, além da forte presença do comércio de drogas ilícitas.
Ao passar novamente pelo Palco Alfredo Issa para acompanhar outras atrações, por volta da 2h, a reportagem constatou a venda de entorpecentes acontecendo sem quaisquer problemas entre a multidão. Anunciavam cocaína, lança-perfume e maconha como um feirante anunciaria suas frutas mais fresquinhas.
PALCO CÁSPER LÍBERO – SÃO PAULO (20h00)
Vinte minutos antes do show, apenas uma dúzia de pessoas aguardava sentada nas guias das calçadas. Quando o som das guitarras explosivas e das batidas secas da banda Tigre Dente de Sabre reverberaram pela Rua Cásper Líbero, o palco de encheu de pessoas como num passe de mágica.
Apesar do aumento, não houve ali a quantidade de público compatível com a de outras atrações. Isso se dá pela ingrata invisibilidade que a dupla ainda possui. Mas os “poucos”, ali, foram muitos. Colados à grade, participantes do show balançavam o corpo no ritmo das batidas frenéticas da Tigre Dente de Sabre.
Ao fim, Sara Silva, instrutora de informática, lançou ao palco uma camiseta estilizada com uma arte sua, como forma de retribuir o trabalho da banda. “Eu nunca tinha ouvido falar deles. O som é muito bom”, diz.
Rotular as músicas da banda é árdua tarefa. Isso porque seus trabalhos não se enquadram nos gêneros musicais tradicionais. A banda, original de Bragança Paulista (SP), é formada pelo baixista Marcos Leite Till (que também comanda os sintetizadores) e o baterista e trompetista Gui Calzavara.
PALCO SÃO FRANCISCO (22h00)
Luzes coloridas tingiam o prédio da Faculdade de Direito da USP, tão antigo quanto sua história. Uma multidão se agitava no pátio da São Francisco ao som da música eletrônica. DJ Dre Guazelli assumiu as pick-ups às 22h. Viaturas e motos da PM penetravam com dificuldade as ruas tomadas pelas aglomerações.
Tanto Guardas Civis Metropolitanos quanto Policiais Militares pareciam em constante alerta naquela pista. Não por acaso: um dos muitos arrastões aconteceu ali. Um grupo de mais ou menos 30 meninos passou correndo pela multidão, levando pertences dos mais desavisados e distraídos.
O clima de perigo constante também dominava os vendedores ambulantes na São Francisco. Um homem, que não se identificou, pois havia corrido da GCM após a entrevista, desabafou: “Tem que ficar esperto, senão eles levam tudo da gente”.
PALCO CABARÉ/COPAN (01h00)
O público concentrado no Palco Largo do Arouche assistiu, por volta da 1h da manhã, as performances de Dimmy Kieer (ou Dicesar), que ficou famoso após ter participado da 10ª edição do reality show Big Brother Brasil. A drag queen representou as famosas músicas de seus shows, como “Bixa Linda, Mona Luxo”, “Dancing Days”, e para finalizar a música do Raul Seixas, “Metamorfose Ambulante”.
Além disso, houve a apresentação de outras drags, levando à loucura a multidão na Avenida Ipiranga, com shows performáticos de “bate cabelo” e coreografias à la diva pop. Mas não só de gays e lésbicas se constituía o público. Casais heterossexuais também acompanharam o show. Afinal de contas, a arte é de todos e para todos.
PALCO JÚLIO PRESTES (03h00)
Até aquele momento, em nenhum palco visitado pela reportagem houve mais pessoas do que o da Júlio Prestes. E não por acaso. Nada mais, nada menos que George Clinton, fundador dos coletivos Parliament e Funkadelic, se apresentava ao lado do grupo P-Funk All. Além dos clássicos dos anos 70, do soul psicodélico e do funk, Clinton interpretou “Crazy”, do Gnarls Barkley.
Durante a apresentação, George Clinton pediu cigarros de maconha ao público, que o atendeu sem pestanejar. O cantor ficou realmente bem à vontade no show. O público também.
PALCO 25 DE MARÇO (04h00 – 8h00)
A madrugada tomava conta daquele início de domingo (que prometia ser cinzento) quando José Paes de Lira, ou Lirinha, entrou no palco, às 4h. O ex-integrante do grupo Cordel do Fogo Encantado encantou o público com músicas de seu CD Lira (2011). Não esqueceu, no entanto, de interpretar sua composição “Vida e morte Stanley”, sucesso do Cordel.
Ao término do show, o público se dissipou e apenas alguns poucos permaneceram na 25 de março. Exaustos pela madrugada em claro, alguns encostaram-se às paredes; outros sentaram-se às guias das calçadas; os mais cansados, ainda, deitaram-se na rua. Entre uma música e outra da banda Nação Zumbi tocada por um DJ, o próximo show era esperado.
A banda Vanguart apareceu no palco junto às primeiras luzes da manhã, às 6h. Sim, era um domingo cinzento. Cinzento, mas não desanimado. A banda de Cuiabá já se apresentou em outras edições da Virada Cultural. Em um momento do show, o vocalista Helio Flanders protestou: “O [pastor e deputado Marcos] Feliciano é apenas um pesadelo e nós temos que acordar dele”.
Naquele domingo tocaram, principalmente, as músicas do CD “Boa Parte de Mim Vai Embora”, mas não deixaram de fora da setlist canções do primeiro disco, como “Semáforo” e “Cachaça”. Em relação a esta última música, foi a mais ovacionada e a que fez mais sentido naquele momento: “Eu vou sair/ Talvez te encontrar/ São cinco e meia da manhã”.
A rua voltou a se esvaziar e as pessoas que ainda participavam da maratona de shows descansou mais um pouco. Às 8h da manhã os integrantes da banda pernambucana Mombojó subiram ao palco. A banda também diversificou as músicas de sua discografia no show.
“Deixe-se acreditar”, do primeiro CD, e “Casa Caiada” e “Papapa”, do terceiro, foram cantadas pelos fãs da banda. Ao fim das duas últimas músicas da apresentação, o vocalista Felipe S. subiu nas costas de um segurança e cantou junto ao público. E não satisfeito, se juntou à multidão em um emblemático “bate cabeça”.
PALCO CÁSPER LÍBERO – BRASIL (10h00)
A banda do Rio Grande do Sul Apanhador Só tocou às 10h00, quando as ruas do centro já estavam claras e um tímido indício de sol apareceu. Em seus trabalhos, a banda é conhecida por se utilizar de objetos não musicais.
A estudante de jornalismo, Nicole Patrício, que foi ao show e sabe de cor e salteado a letra das músicas, diz: “Em shows do Apanhador Só, a gente sempre espera os sons da roda de bicicleta, da sacolinha plástica e do que mais vier ao alcance, e sente falta quando essas parafernálias não estão por lá”. Apanhador Só tocou “Maria Augusta”, “Prédio”, “Nescafé”, entre outras músicas.
PALCO JÚLIO PRESTES (12h00)
O rapper Criolo dispensa apresentações. Isso porque se tornou uma das figuras mais representativas no cenário atual da música brasileira. Já não mais um músico preocupado em cantar apenas rap, o músico saiu do bairro do Grajaú e caiu no gosto popular. E isso era visível em seu show ao meio-dia no Palco Júlio Prestes.
De volta ao Palco Júlio Prestes, a reportagem se deparou com uma multidão tão grande quanto a do show de George Clinton. O rapper cantou boa parte das músicas de seu segundo CD, “Nó na orelha” – trabalho que possibilitou o músico ganhar seu devido reconhecimento – mas não se esqueceu de canções como “Vasilhame” e “Ainda há tempo”, de seu primeiro disco.
Criolo pediu amor durante sua apresentação. Mas, mais do que isso, pediu amor e planejamento. O músico também pediu respeito às religiões e fez uma homenagem a Sabotage, rapper morto em 2003 e que é um dos mais importantes nomes do rap nacional.
Texto e foto por Leandro Fonseca