O espetáculo Soror, com texto de Luisa Micheletti e direção de Caco Ciocler, não carrega esse nome por acaso. Intenso, visceral e profundo, com ares de comédia, o enredo apresenta duas versões de mulheres: Lilith, criada do pó e da lama, que carrega características muito surpreendentes, inicialmente: ela se recusa a ser submissa a Adão, no Éden recém-criado. É curioso observar como, logo no início, o texto causa identificação imediata por carregar elementos, através do diálogo entre ela e seu companheiro, que toda mulher já viveu, ou ao menos escutou. Frases como “você tem que usar isso” ou “você deve fazer aquilo”, proferidas por homens para as mulheres que os cercam.
Ao perceber que sua primeira companheira não irá agir e ser conforme os desejos dele, afinal, ela só quer ser do jeito que deseja, sem amarras, Adão pede ao pai, criador de tudo, que crie uma outra mulher para ele. Aí entra em cena Deus, que, ao ver-se sem saída, acaba cedendo ao desejo de seu filho, criando, assim, Eva, uma mulher obediente, doce, delicada. Aparentemente, de acordo com o que Adão sempre sonhou e, querendo ou não, tudo o que a sociedade espera que uma mulher seja.
Lilith e Eva acabam por se unir, descobrindo várias coisas em comum e outras nem tanto. A partir daí, Lilith dá uma série de lições que servem para todas as mulheres, sendo, por vezes, válidas para todo o público. Muito mais do que o feminismo raso e simples, o que “Soror” mostra através de Lilith é a prática do que o movimento significa, sem complicações.
Vale destacar a sintonia em cena entre Luisa Micheletti e Fernanda Nobre, que, do jeito delas, mostram para o público muito claramente os dois opostos de uma mesma personalidade, que podem muito bem conviver entre si. É uma bela mensagem de empoderamento, de coragem e de que diversos tipos de personalidades cabem dentro de uma mesma sociedade, sem julgamentos, completando-se entre si.