Resenha: “Soror”, um espetáculo que toda mulher deveria assistir


Créditos: Edson Kumasaka/Divulgação


O espetáculo Soror, com texto de Luisa Micheletti e direção de Caco Ciocler, não carrega esse nome por acaso. Intenso, visceral e profundo, com ares de comédia, o enredo apresenta duas versões de mulheres: Lilith, criada do pó e da lama, que carrega características muito surpreendentes, inicialmente: ela se recusa a ser submissa a Adão, no Éden recém-criado. É curioso observar como, logo no início, o texto causa identificação imediata por carregar elementos, através do diálogo entre ela e seu companheiro, que toda mulher já viveu, ou ao menos escutou. Frases como “você tem que usar isso” ou “você deve fazer aquilo”, proferidas por homens para as mulheres que os cercam.

Ao perceber que sua primeira companheira não irá agir e ser conforme os desejos dele, afinal, ela só quer ser do jeito que deseja, sem amarras, Adão pede ao pai, criador de tudo, que crie uma outra mulher para ele. Aí entra em cena Deus, que, ao ver-se sem saída, acaba cedendo ao desejo de seu filho, criando, assim, Eva, uma mulher obediente, doce, delicada. Aparentemente, de acordo com o que Adão sempre sonhou e, querendo ou não, tudo o que a sociedade espera que uma mulher seja.

Créditos: Divulgação / Morente Forte

Lilith e Eva acabam por se unir, descobrindo várias coisas em comum e outras nem tanto. A partir daí, Lilith dá uma série de lições que servem para todas as mulheres, sendo, por vezes, válidas para todo o público. Muito mais do que o feminismo raso e simples, o que “Soror” mostra através de Lilith é a prática do que o movimento significa, sem complicações.

Vale destacar a sintonia em cena entre Luisa Micheletti e Fernanda Nobre, que, do jeito delas, mostram para o público muito claramente os dois opostos de uma mesma personalidade, que podem muito bem conviver entre si. É uma bela mensagem de empoderamento, de coragem e de que diversos tipos de personalidades cabem dentro de uma mesma sociedade, sem julgamentos, completando-se entre si.

SOROR estreia no SESC Ipiranga


Crédito Edson Kumasaka


Sororidade, ou fraternidade entre mulheres, é um dos principais pilares que fundamenta a luta pela igualdade de gênero. Daí surge o título da montagem, SOROR, ou irmã, que coloca lado a lado as duas figuras femininas e polarizadas da gênese judaico-cristã: Eva, a oficial, e Lilith, a oculta.

A fina lâmina do patriarcado tende a dilacerar a amálgama capaz de unir os arquétipos da mulher completa, da fêmea íntegra, amorosa & indomável, acolhedora & competente, conselheira & astuta. O patriarcado foi muito eficaz em difamar certas facetas do feminino em nome de moralizar as mulheres e torná-las incapazes de acessar seu próprio poder. Puta ou santa, bela ou mãe, indecente ou respeitável, vulgar ou nobre… antíteses e mais antíteses desagregadoras que empurram a mulher rumo às tristes bifurcações psíquicas que em vez de torná-las mais fortes, as tornam dependentes da “metade que falta”, do velho complexo de Cinderela.

Créditos: Edson Kuma

A montagem reapresenta os arquétipos essenciais da gênese, Eva e Lilith, como luz e sombra, dispostas a reunir suas partes, dar cabo de uma mentalidade antiga representada por um Deus patriarcal e criar uma nova maneira de existir dentro de sua recém-nascida existência onde a luz dá a mão à sombra e a virtude se une ao poder.

Lilith, a primeira mulher do mundo segundo interpretações da gênese, criada do pó e da lama, se recusa a ser submissa ao companheiro Adão no Éden recém-inaugurado. Surpreso com a natureza imprevisível e rebelde da parceira e incapaz de lidar com sua autonomia, o primeiro homem chama pelo pai e ordena que ele providencie outra mulher. Deus, ares de alto executivo, surge em cena numa sequência de palestras estilo TEDx, nas quais discorre sobre cosmologia, física quântica e a possível integração das duas ciências. Refém de sua própria criação, como costumam ser os gênios, acata ao pedido do filho e fabrica Eva: bela, recatada, obediente, acolhedora.

No entanto, da mesma maneira que Deus pretende encurtar a distância entre as leis físicas que regem o macro (cosmologia) e o micro (física quântica), Eva e Lilith se aproximam e aos poucos estabelecem inesperadas conexões morais, filosóficas e de humor. As duas mulheres se tornam companheiras, irmãs, parentes de sangue. O encontro desatrela seus eixos da figura masculina e juntas descobrem suas preferências, aptidões, vontades, estímulos. Para que o mundo dê conta de sua união, só resta criar novas regras. Lilith e Eva.

Serviço
SOROR

SESC IPIRANGA (200 lugares)

Rua Bom Pastor, 822

Informações: 3340-2000

Bilheteria: Terça a sábado, das 9h às 21h. Domingos e feriados, das 9h às 18h

Vendas online a partir de 26/03, às 12h

Vendas na bilheteria a partir de 27/03 às 17h30

Ingressos à venda pelo Portal http://sescsp.org.br e em toda rede Sesc SP

Sexta e Sábado às 21h | Domingo às 18h

Ingressos: R$ 30

R$ 15 (meia-entrada: estudante, servidor de escola pública, +60 anos, aposentado e pessoa com deficiência)

R$ 9 (credencial plena: trabalhador no comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes)

*Não haverá sessão dia 19 de abril*

** Sessão extra dia 01 de maio**

Duração: 80 minutos

Recomendação: 18 anos

Curta Temporada: até 05 de maio