Coletivo 28 Patas Furiosas estreia ‘Parede’ no sábado


Créditos: Helena Wolfenson


Ao chegar no Espaço 28, o público será recepcionado pelas atrizes e pelos atores do grupo, que o convidará a acompanhá-los no processo de construção de uma obra: o erguimento de paredes que tem como função aprisionar o corpo da Personagem .Q, desprendido de sua própria cabeça. A fábula absurda é uma proposta do grupo 28 Patas Furiosas em Parede, sua mais recente criação, que traz uma discussão sobre interrupção, instabilidade e invenção de realidades nos nossos dias, a partir da vida e obra do autor gaúcho Qorpo-Santo (1829 – 1883). A peça estreia neste sábado, sábado, 21h e fica em cartaz até 7 de julho de 2019, na sede do coletivo, o Espaço 28.

O cenário, uma instalação cênica composta por blocos de concreto, tapumes de madeira, papéis, televisões, telas de celulares e outros equipamentos tecnológicos, compõem um ambiente inóspito e violento que possibilita ao público vivenciar diferentes ações das personagens para encarcerar a Personagem .Q – que perdeu a cabeça, no sentido literal e metafórico – em seu próprio apartamento. Essa função policialesca é confiada aos próprios condôminos, que anseiam por cumprir todas as regras do Edifício e, para tanto, tomam todas as decisões em uma reunião em um grupo de Whatsapp.

Créditos: Helena Wolfenson

Com dramaturgia do próprio grupo em parceria com Tadeu Renato, Parede parte de temáticas presentes na obra do dramaturgo Qorpo-Santo sem, no entanto, se referir diretamente a ela. “Ao ler a enciclopédia do Qorpo-Santo nos deparamos com um material formalmente complexo e cheio de deslocamentos temáticos. Para nós, a força da obra está na urgência que o Qorpo-Santo parecia articular para inventar sua própria linguagem, ou seja, um jeito singular de refletir sua própria realidade, e é a partir dessas características que construímos esse trabalho”, conta Wagner Antônio, encenador.

Segundo Wagner, que também assina a cenografia e a luz de Parede, a narrativa se inspira no estilo peculiar de Qorpo-Santo: “Percebemos que muitos dos seus textos estabeleciam um movimento de aproximação e afastamento do leitor, exigindo algum tipo de alteração na percepção de seus interlocutores, e é esse tipo de sensação que buscamos na relação do trabalho com o público”, explica.

Tadeu Renato criou os textos ditos pela Personagem .Q para se comunicar com os condôminos que tentam emparedá-lo, e os envia em forma de áudios, gifs e textos no Whatsapp. Inclusive, como uma ação performática, é a voz do próprio dramaturgo que o público escuta nos áudios.

Créditos: Helena Wolfenson

Além disso, textos polifônicos são emitidos pelas atrizes e pelos atores, não num sentido narrativo tradicional, mas como a recriação, em cena, do universo aleatório que preenche os 9 volumes inacabados da Ensiqlopèdia de Qorpo-Santo. Caixas de som também emitem textos que, tecem a paisagem sonora, que assim sobrepostas, acabam por formar uma interessante massa sonora ao modo qorpo-santense. A trilha é assinada e composta por João Paulo Nascimento.

Tijolos são empilhados, paredes se erguem, ora no chão, ora em torres. O público, que está dentro da instalação cênica, acompanha muito proximamente esse fazer e desfazer. Recursos tecnológicos, como câmeras, celulares e telas de computador estão em cena e são manuseados pelos atores e pelas atrizes. Parede é uma continuidade da pesquisa do coletivo, que em lenz, um outro (2014) e A Macieira (2016) já discutiam questões como a instabilidade da vida a partir de uma aposta na radicalização da linguagem teatral, expressa em todos os processos do espetáculo.

Como num site-specific, os atores conduzem o público por caminhos labirínticos, onde paredes podem servir também como metáforas contemporâneas a respeito do isolamento e distanciamento do outro. Essa instalação é erguida pelos artistas durante a peça, para “trazer inventividade frente à concretude e precariedade que assolam o imaginário da sociedade atual”. As atrizes e atores lapidam em cena o espetáculo como se ele fosse uma escultura, com base na vida e obra de Qorpo-Santo, a partir do espaço e sua materialidade. “Foi assim que o autor esculpiu a sua própria história, com um amontoado de palavras na sua Ensiqlopèdia ou Seis Mezes de huma Enfermidade”, conta Wagner.

Créditos: Helena Wolfenson

A imersão tecnológica é imperativa, como por exemplo, na cena em que o público assiste na tela de televisores, o desenrolar de uma conversa dos condôminos no grupo de Whatsapp. A cena anterior na TV mostra muito do que está por acontecer: um vídeo de uma cupim-rainha ao lado de uma colônia de cupins. “Esses insetos destroem estruturas no silêncio, quase na invisibilidade, com o tempo transformam os lugares por onde passam, só percebemos sua presença depois que tudo vai pro chão”, explica o diretor.

Professor e escritor do Século XIX, Qorpo-Santo passou parte da vida lutando contra a interdição jurídica a que foi condenado com base em um diagnóstico de monomania, conceituada como um tipo de paranóia na qual o paciente tem uma única idéia ou tipo de ideias. Impedido de continuar as suas atividades públicas, passou a escrever e a organizar incansavelmente a Ensiqlopèdia ou Seis Mezes de Huma Enfermidade, obra inacabada em 9 volumes confeccionada em sua própria tipografia, com textos das mais diferentes naturezas, produzidos durante toda a sua vida.

SERVIÇO

Parede

De 15 de junho até 7 de julho

Sábados às 21h / Domingos às 19h

Local: Espaço 28 (Rua Dr. Bacelar, 1219 – Vila Clementino, São Paulo – SP, 04026-002).

Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Capacidade: 30 lugares.

Duração: 90 minutos. Classificação: 18 anos.

Andréia Bueno

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